Unidade da rede estadual de SP que era evitada por vizinhança, teve matriculas triplicadas após entrada de um mediador de conflito
Em 2009, a escola estadual Alberto Torres, na zona oeste de São Paulo, quase fechou por falta de demanda. O prédio vandalizado, as frequentes brigas entre alunos e a falta de aulas afastaram estudantes e educadores. Em 2010, havia apenas 180 alunos matriculados e um único professor efetivo. Em junho, foi contratada uma professora para a recém criada função de mediadora de conflitos. Desde então, as matrículas subiram para 500, os professores efetivos para oito e a equipe conta que a melhoria no clima é maior do que os números mostram.
“Como a situação estava ruim, os pais mais preocupados transferiram os filhos e sobraram aqui os que causavam mais problemas, o quadro piorou”, lembra a diretora Sandra Emerentina Reinaldo Jaccoud, que assumiu o cargo na mesma época em que chegou a mediadora, Nailza Fernandes dos Santos Veiga. As duas descrevem um trabalho, que pode ser resumido em uma palavra: conversa.
Nos primeiros dias, os demais professores entenderam que Nailza seria a responsável pelos “indisciplinados”. “Cada professor tirava uns três da sala e mandava para mim. Eles chegavam esperando a bronca e eu dava a eles a chance de falar. Eles não sabiam que tinham este direito”, diz a mediadora.
Com os pais, não foi diferente. Em um dos casos mais dramáticos, a mãe de uma adolescente que se envolvia constantemente em brigas e sequer levava material para a escola negou o convite da educadora para conversar por meses. Segundo Nailza, quando finalmente ela apareceu, chegou gritando. “Hoje eu mato esta menina na porrada! Cadê ela?”.
A mediadora explicou que o objetivo não era punir, mas “conquistar” a menina e a ajuda da mãe era solicitada para formular um plano neste sentido. “Ela se surpreendeu e virou uma parceira, hoje liga para cá para saber como estão as coisas e fez questão de matricular o caçula aqui”, conta Nailza.
A estratégia incluiu visita à vizinhança e muita conversa com funcionários e professores. “Cheguei a separar briga até na cozinha, o clima favorecia o conflito”, diz a mediadora.
Aos poucos, os professores começaram a entender que posturas de enfrentamento deles incitavam brigas e passaram a resolver problemas sozinhos, sem “mandar” ninguém para a mediação. “Conflitos sempre vão existir, mas o importante é lidar com eles com diálogo e, se ninguém ensinar, as crianças não sabem fazer isso”, avalia Nailza.
“Eu te amo”
A diretora é mais emotiva do que a mediadora. Sandra é chamada de mãe por alunos e conta que já chorou com eles e se emociona ao lembrar alguns casos. “Tem gente para quem eu disse ‘eu te amo’ e que nunca tinha ouvido isso. Saber que alguém se importa já muda o comportamento deles”, diz.
Ela conta que além das matrículas e da chegada de professores concursados – que são os que têm mais chances de escolher onde trabalhar – as paredes mudaram. A escola recebeu pintura nova e, em vez de ser pichada como ocorria, ganhou trabalhos dos alunos nos corredores.
Agora, ela quer que a mediadora possa ficar na escola em período integral. “Hoje nossa luta é para que o governo pague carga horária completa para esses professores e eles possam trabalhar apenas em uma escola”, diz.
Dados do Programa Professor Mediador
Junho de 2010.
Em quantas escolas?
1.000 no 1º ano e mais 900 em 2011.
Quem é o mediador?
Um professor temporário com experiência em trabalho social.
Há treinamento?
3 meses com curso semipresencial.
Onde ficam as escolas?
Há unidades participantes em todas as regiões do Estado de São Paulo
Fonte: Secretaria Estadual de Educação de SP
Programa não é unanimidade
Nailza e os outros 1.900 mediadores são contratados pela Secretaria Estadual de Educação em regime de 30 horas semanais e recebem o mesmo que educadores com a mesma carga horária em sala de aula. Ela dá mais 10 aulas em outra unidade para completar a renda.
Para evitar que professores deixassem a docência para migrar para a mediação, o governo proíbe que efetivos (concursados) se inscrevam. Também não são permitidos os temporários contratados depois de 2007, quando uma lei passou a exigir que eles se afastassem depois de um ano de trabalho para não criar vínculo empregatício. Sobraram os temporários que já estavam na rede estadual de ensino antes da nova legislação e estão imunes a ela. Também é exigida alguma experiência em projetos sociais ou uma recomendação do diretor dizendo que é um professor que promove o diálogo.
No Butantã, por exemplo a gestora regional do programa, Doralice Correa Chioccola, conta que não conseguiu contratar profissionais que preenchessem todos os requisitos para todas as escolas interessadas em aderir ao projeto em 2011. Na região, das nove escolas que receberam mediadores em 2010, seis perderam os profissionais ao longo do ano: três para voltar a lecionar, um porque foi efetivado no último concurso e dois foram dispensados pelos diretores, que não ficaram satisfeitos com a mediação. O iG pediu indicações de outras unidades com o projeto em funcionamento à Secretaria de Educação por duas semanas e recebeu apenas uma.
Fonte: Portal IG
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