sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mediação de conflitos nas delegacias do Paquistão


Para muitos paquistaneses, as delegacias de polícia não são mais lugares ameaçadores. Suas portas estão abertas não só para o registro de crimes, mas para aqueles que buscam soluções para seus problemas e aconselhamento jurídico.

Esse é o resultado do trabalho de Ali Gohar, fundador da organização Just Peace International, que introduziu práticas tradicionais de resolução de conflitos em delegacias de polícia em diversos distritos no Paquistão nos últimos anos. "Eu modernizei uma tradição ancestral no país", afirmou Gohar em entrevista exclusiva para o portal Comunidade Segura.

Ali Gohar

Gohar fundou a ONG com o objetivo de promover a paz depois de ter trabalhado no serviço social durante vários anos. Mas foi durante o ano que passou estudando nos Estados Unidos que veio a inspiração. "Eu estudei Justiça Restaurativa na Universidade Menonita do Leste (Eastern Mennonite University) e percebi que temos no nosso sistema Jirga, que é tão antiga quanto a cultura Pashtu, os meios para mitigar conflitos na direção da contrução da paz", afirma.

Ele abriu escriórios dentro das delegacias de polícia para idosos que tinham uma boa representação na comunidade seguindo o mecanismo da Justiça Restaurativa para fomentar a reconciliação dentro da comunidade. "Não é incomum, quando os conflitos chegam no Sistema Judiciário, geram mais violência por causa do tempo prolongado, corrupção e do custo dos processos. As pessoas saem da Justiça ou como ganhadoras ou como perdedoras, não existe a reconciliação e isso é a base para retaliações, mortes e aumento da violência", afirma Gohar.

Ao resgatar os princípios dos conselhos anciãos, a organização promove o consendo em áreas onde, de acordo com Gohar, a paz é um tema sensível e "onde os homens usam armas como as mulheres usam ornamentos". Muitas áreas do Paquistão estão em coflitos que vão desde lutas nas fronteiras até hostilidades locais de longa data.

Os anciãos, no entanto, continuam aprendendo. Dentro do programa, é realizado treinamento dos mediadores e dos policiais nos fundamentos de direitos humanos, as mulheres são educadas para formar conselhos paralelos e os limites do Judiciário não são extrapolados. "No noso idioma, o termo para justiça é adal. O que estamos fazendo émuslahath, que no nosso idioma significa tornar o errado certo", explica.

Em que o Projeto de Resolução de Conflitos é inovador?

O projeto na província de Khyber Pukhtoon Khwa envolveu o treinamento de anciãos e da polícia em alternativas para a resolução de conflitos, no Jirga, nosso sistema tradicional e nos princípios de justiça restaurtiva. Também incluímos a reolução de casos nas delegacias de polícia sem a interferência da polícia ou do Sistema Judiciário.

Nosso projeto, chamado de Desvio, afasta os jovens das delegacias e de entrar no sistema Judiciário. Os mesmos anciãos do Programa de Resolução de Conflitos também participam desse programa, principalmente nos casos que envolvem agressões por parte de jovens da comunidade, com o obejtivo de reabilitá-los.

Quando o projeto com as delegacias de polícia começou?

Em 2008 com o financiamento da Fundação Ásia e da embaixada da Austrália e terminou em 2010. Hoje, nós ainda trabalhamos com a polícia tendo como base o trabalho voluntário e já o introduzimos nos distritos mais violentos, os que foram desocupados pelo Exército durante operações recentes.

Quantas pessoas foram beneficiadas?

O projeto cobriu os distritos da SWAT, o alto DIR, o baixo DIR e estamos trabalhando agora também no distrito Buner. Em Khyber Pukhtoonkhwa nós introduzimos o projeto em 130 das 214 delegacias de polícia da província. O projeto cobre toda a população que está sob a jurisdição das delegacias e se responsabiliza por todas as questões, desde as pequenas agressões até os casos de homicídio.

O que o inspirou a trazer os anciãos para as delegacias?

Eu sou da tribo Pashtum que está presente no Afeganistão e no Paquistão e nós nos consideramos a maior e mais velha tribo do mundo. Nossos cinco mil anos de hostória são famosos e temos um sistema tradicional que permanece conosco chamado Jirga, ou concelho ancião, que não só resolve conflitos, mas quando hão havia Estado, guiava a área pashtu através do consenso.

Nós organizamos o primeiro seminário internacional sobre Justiça Restaurativa no Paquistão em 2003 e, em 2008, nós introduzimos os anciãos nas delegacias de polícia em dois distritos. O resultado foi muito bom tanto para as questões mais simples como para casos graves como homicídio. Resolveu conflitos familiares e muitas outras disputas.

Como isso é feito?

Nós estabelecemos escritórios para os anciãos em cada delegacia, os treinamos e aos policiais nos preceitos de transformação de conflitos, construção da paz, justiça restaurativa e na Jirga para termos certeza de que tanto uns como os outros recebam a mesma mensagem.

No trabalho com a polícia, quais elementos da transformação de conflitos e de justiça restaurativa estão presentes?

Nós ensinamos todos os métodos de construção da paz. A prática comum é a arbitração, mas nós tentamos modificá-la para mediação. Como a Jirga é um sistema que existe há cinco mil anos e é uma tradição que não utiliza a punição dos perpetradores, nós tentamos atualizá-la incluindo elementos restaurativos para aproximá-la dos valores modernos de direitos humanos.

Como o senhor descreveria a contribuição desse sistema na direção da resolução de conflitos e da cnstrução da paz?

Devido ao longo tempo e dos altos custos dos processos, além da corrupção e da característica de ganhador/perdedor do sistema de Justiça Criminal no Paquistão, as decisões tomadas na corte resultam em hostilidades e inimizades que permanecem por anos e que geram violência e mortes uma vez que no sistema oficial não existe recciliação. Um dos melhores aspectos dos conselhos anciãos é que eles resolvem, reconciliam, reabilitam e acompanham as partes até que sejam estabelecidas relações maduras e amigáveis e que as inimizades estejam terminadas.

Como os idosos são escolhidos?

Nós escolhemos as pessoas com boa reputação na comunidade com a ajuda da polícia que conhece bem as comunidades. As agências de inteligência da polícia avaliam os históricos dessas pessoas e recomendam os nomes.

E como os casos chegam até esses conselheiros?

Ofensas de menor poder ofensivo registradas pela polícia são enaminhadas para resolução pelos conselhos anciãos. O papel da polícia é encaminhar os casos e trazer as partes acusadas para a mesa de negociação. O resto do trabalho é feito pelos anciãos. Eles conduzem a resolução, a reconciliação e a reabilitação e vão ainda mais longe ao acompanhar a evolução do caso.

É correto afirmar que os conselhos são uma versão moderna da Jirga?

Sim, o Comitê Muslahathi é uma nova versão da Jirga, que trabalhava segundo as práticas tradicionais, suas decisões eram verbais e não era permitida a participação das mulheres. No Comitê Muslahathi as decisões são tomadas de acordo com princípios científicos modernos de transfromação de conflitos, construção da paz e justia restaurativa.

Todas as decisões são registradas, as mulheres também são treinadas e formam seus próprios comitês e fazem uma conexão com os comitês masculinos. No entanto, a maioria das decisões tomadas pelas mulheres afetam mais o nível comunitário por causa das tradicionais regras e práticas culturais e religiosas restritas.

Existe o risco de que esses comitês concorram com as instituições estatais? Como garantir que isso não vai acontecer?

Não existe esse risco. Desde o primeiro dia das nossas aulas de capacitação, nós deixamos vlaro que os comitês não trabalham em paralelo à estrutura governamental, à polícia e ao sistema Judiciário. Essa era a situação anterior e que nos levou a querer desenvolver conexões entre a polícia e a comunidade e a diminuir a carga em cima da polícia e do Judiciário.

Essas instituições estão muito satisfeitas com o papel positivo que os comitês vêm desempenhando e têm encaminhado muitos casos para eles. A comunidade também deposita confiança nos comitês e tem trazido casos de assassinatos e outros casos que tinham ido para a justiça. Portanto, o papel dos comitês é apoiar a estrutura do governo.

Como garantir que as sessões de transformação de sonflitos apoiem pessoas que normalmente são excluídas das práticas tradicionais de justiça?

Todos os casos assistidos pelos comitês são registrados na polícia. Nós também desenvolvemos um sistema de avaliação e de equilíbrio para o projeto que também diminuiu significativamente a sensação de insegurança e o medo que as pessoas tinham da polícia. As delegacias de polícia estavam associadas no passado à exploração das mulheres, crianças e pobres. Então, vabe aos anciãos avaliar a atuação dos policiais. Da mesma forma, cabe aos policiais prevenir que os membros da Jirga violem os direitos humanos. Além disso, nós treinamos as mulheres separadamente e lfazemos a ligação da sua associação aos comitês masculinos.

Fonte: Comunidade Segura

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