terça-feira, 7 de junho de 2011

Maré de tranquilidade no Pirambu

Publicado em 6 de junho de 2011 no Diário do Nordeste

Clima de pacificação é fruto da atuação de projetos sociais, da Igreja Católica e de melhorias na infraestrutura local

O Pirambu, que já foi considerado o bairro mais violento de Fortaleza, já sente o resultado dos diversos projetos sociais e das melhorias urbanas, que resultaram em dias de paz
FOTOS: WALESKA SANTIAGO

A dona de casa Maria Fortunato Moreira, 60, voltou a colocar a cadeira na calçada sem ter tanto medo da violência. Ela comemora a maré de tranquilidade no bairro e diz que nem parece o mesmo local que, nos anos 1990, era território de gangues, com tiroteios e mortes diárias. A invasão de projetos sociais, de entidades de direitos humanos e das 120 associações comunitárias parece ter dado um novo ar para a área, com mais de 18 mil "pirambuenses" que se espremem em apenas 0,69 quilômetros quadrados.

A média mensal de homicídios caiu: cerca de quatro assassinatos a cada 30 dias em 2010, contra dois por mês em 2011. No ano passado, 56 perderam a vida violentamente. Nos últimos cinco meses foram 14. Esta redução é sentida até pelo delegado do 7º Distrito Policial (DP) do Pirambu, Barbosa Filho.

"O tempo mudou mesmo. A população já circula e vive com mais segurança. Não tivemos até agora nenhum latrocínio. A polícia está na rua agindo. Será uma nova era?", questiona o delegado. O ranking de homicídios de 2010 mostrava outras áreas bem mais perigosas. Entre elas, o Jangurussu, Barra do Ceará, Vicente Pizón, Granja Portugal e Quintino Cunha.

E as novas gerações, crescidas neste momento de transição, sentem bem a diferença. Germana Oliveira, 19 anos, membro da Entidade Sociedade da Redenção, comemora estes bons ventos. Lembra que, quando criança, a meninada nem podia sair na calçada, todos tinham terror, pânico da violência. Era comum ouvir falar de casos grotescos, de brigas banais até por causa de um cigarro. "As pessoas se matavam por besteiras. Isso era muito ruim para a imagem lá fora, fazia com que a gente mentisse onde morava e ter vergonha", relata.



O bairro tem uma população de 18.543 pessoas para 0.69 quilômetro quadrado. A 11º menor área da capital.

Mediação

Para a mediadora do Núcleo de Mediação Comunitária do Pirambu, Dalva dos Santos, 59, os conflitos de vizinhos que, antes geravam muitos problemas, hoje estão sendo pacificados. "As brigas por pensão alimentícia, dívidas, violência contra mulher e demais desavenças familiares agora são resolvidas com diálogo. Instaurarmos, em 2011, 405 processos que deixaram de ser caso de polícia. Estamos tendo bastante êxito, 80% são solucionados. Isto contribui para uma cultura de paz", diz.

Se por um lado, os índices de homicídios têm reduzido, a problemática do crack insiste em fazer parte da rotina local, comenta o presidente da Associação Leste-Oeste Surf Club do Pirambu, Fábio Galvão. Treinando cerca de 800 garotos nas artimanhas da maré, acredita que o consumo de drogas pode ser neutralizado com a atuação mais firme dos projetos sociais.

"Todas as alternativas de arte, esporte e cultura têm sido, desde os anos 90, o refúgio para tirar a juventude da criminalidade", ressaltou. O bicampeão nordestino e atual líder do circuito cearense, Edvan Silva, vê surgir um novo momento no bairro. "Fui da geração que amargou a triste sina do Pirambu conhecido como "boca quente", como o "vixe". A praia era lugar escuro e perigoso. Hoje é ponto de lazer e encontros", frisa.


OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A marcha do bairro e a luta por terras

Pádua Santiago
Historiador e professor da Uece

Uma leitura da história do Pirambu começa no ano de 1940 com presença de partidos políticos organizando, tanto o movimento de luta por equipamentos urbanos como o movimento pela terra. Por volta de 1948, a Igreja Católica iniciou seu trabalho de pastoral e assistência no Pirambu. Esse engajamento católico desembocaria no "Movimento de Recuperação do Pirambu" (1955-1968), cuja base discursiva era a "Reforma Social Cristã". O "Movimento de Recuperação do Pirambu" projetava-se como a grande utopia de reconhecimento individual e coletivo.

O acontecimento emblemático daquela utopia foi a "Marcha do Pirambu", que resultou na desapropriação das terras em 1962. O principal instrumento da Igreja Católica foi a Escola de Serviço Social de Fortaleza. Moradores conquistaram a posse da terra, provocaram mudanças na paisagem urbana da favela. O mais importante era que esse "Movimento" empreendesse às possibilidades concretas de realização de apropriação tanto do espaço quanto da cultura urbana.

IVNA GIRÃO
REPÓRTER

PROJETOS
Reurbanização e oportunidade de emprego são boas soluções

O Pirambu é conhecido por ter dezenas de entidades, ser pioneiro em organizações comunitárias e experiências exitosas na área de direitos humanos, afirma a Irmã Gabriela Pinna, 64, presidente da Sociedade da Redenção, grupo atuante há 30 anos. Ela lembra que, desde a ocupação inicial do local, em meados do século XX, o enfrentamento às problemáticas é feito coletivamente.

“Se hoje tem asfalto, tem luz e escolas foi luta de todos. O fim das gangues é fruto da participação de cada um dos grupos que apostou na melhoria do bairro”, frisa. A nova geração também tem consciência disso, afirma o diretor comercial da Cooperativa Pirambu Digital, João Paulo Rodrigues. “Oferecemos cursos profissionalizantes para que a juventude tenha mais chances de crescer, de se empregar e viver com qualidade de vida”, relata. Atualmente, a cooperativa atende mais de 300 alunos.

Os moradores demandam melhorias que podem ser atendidas com as obras do Vila do Mar. A assessoria de Comunicação do Projeto esclareceu que, embora não vislumbre ações direcionadas à redução da criminalidade, a gestão acredita que a urbanização e a requalificação ambiental contribuam para a redução dos índices de violência.

As obras contemplam uma avenida litorânea, ciclovia, calçadões, praças de convivência, quadras poliesportivas e outros. O projeto tem previsão para ser concluído até o fim de 2012, com investimentos previstos na ordem de R$ 142 milhões.

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