sexta-feira, 29 de abril de 2011

Mediação e conciliação vão para a sala de aula

Universidade de São Paulo deverá incluir disciplina para qualificar advogados, juízes e promotores em meios alternativos de resolução de conflitos

A disciplina de “mediação e conciliação judicial e extrajudicial” deve ser incluída na grade curricular do curso de Direito de Universidade de São Paulo (USP). A iniciativa vai ao encontro das diretrizes lançadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o movimento “Conciliar é Legal” e com a Resolução 125 de novembro de 2010, que institui uma política judiciária nacional sobre o assunto. A nova disciplina já foi aprovada pelo departamento de Direito Processual da USP e agora será encaminhada para o Con­­selho de Graduação e Con­­gregação da faculdade e para a Reitoria. A expectativa é de que ela passe a ser ministrada no segundo semestre de 2011 ou no início de 2012.

A conciliação é um meio alternativo de resolução de conflitos que objetiva o acordo entre os envolvidos, pacificando relações em que há choque de interesses. O método usual é o chamado impositivo, em que a solução se dá por meio de uma sentença judicial. “Na prática, nós trabalhamos preponderantemente com a forma impositiva, embora a forma conciliativa esteja priorizada na lei”, afirma o desembargador Valter Ressel, coordenador do Movimento pela Conciliação e do Núcleo de Conciliação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Segundo Ressel, a conciliação é uma forma mais rápida, que gera menos gastos, não incomoda terceiros (as testemunhas) e pacifica mais que a forma impositiva. “Pela forma impositiva sempre tem um lado que perde, o que gera animosidade”, diz Ressel.

Acordo pacífico

Segundo o professor da USP Kazuo Watanabe, membro do Depar­tamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, o judiciário está pautado quase que exclusivamente para resolver conflitos por meio de sentenças. “A sentença gera recursos. Só depois que os recurso são julgados é que se inicia a fase de execução de sentença”, afirma. De acordo com ele, adotando-se a intermediação e a conciliação não só se soluciona, como se pacifica o conflito. “Os acordos costumam ser cumpridos voluntariamente, não há recurso, execução”, diz. “Costu­mamos dizer que na forma impositiva, às vezes, a pessoa ganha, mas não leva”, complementa Ressel.

Para Watanabe, a nova disciplina da USP é importante por tentar mudar uma cultura já arraigada. “Nós não estamos ensinando a mediar, conciliar, negociar. Os alunos são bem preparados para o contencioso, para o litígio [disputa judicial], mas não para a resolução amigável dos conflitos. Essa é a mudança mais importante dessa medida: criar operadores do direito, promotores, juízes e advogados com uma mentalidade diferente.”

Percepção

Para a coordenadora das ações de conciliação do CNJ, a conselheira Morgana Richa, uma disciplina específica na graduação pode ajudar a mudar a percepção de que o caminho natural da Justiça é a sentença e a execução. “Vai se propiciar uma nova postura ao estudante que era preparado só para o contencioso.” Ela avalia que isso deve ajudar a mudar a cultura dos operadores do Direito, um dos empecilhos para que a conciliação seja mais difundida no país. “Precisamos que se formem profissionais mais pacificadores e menos guerreiros”, concorda Ressel. “Com uma disciplina específica, não dá para escapar. Mas tem de ser obrigatória”, pondera. Para Morgana Richa, a iniciativa ajuda a consolidar as estruturas de conciliação no país.

Segundo Watanabe, nos Estados Unidos esse tipo de instrumento de solução de conflitos é aplicado em 90% dos casos. No Brasil não existem estatísticas de quantos casos são levados para conciliação, já que os juízes podem tentar a composição em vários momentos e em vários tipos de processo. Sabe-se, porém, que esse mecanismo não faz parte da cultura dos operadores de direito (advogados, juízes, promotores) no país. Dados colhidos nas semanas de conciliação realizadas todos os anos, entretanto mostram que, dos casos levados para a mesa de negociação, quase metade acaba em acordo.

A disciplina na USP será ministrada aos alunos do oitavo semestre (4.º ano), inicialmente de forma optativa. A ideia, porém, segundo Watanabe, é que dentro de dois anos a disciplina se torne obrigatória. “Há vontade política do reitor da USP para que a disciplina seja aprovada”, garante.

Conflitos “sem solução” resolvidos com diálogo

Os profissionais que trabalham com conciliação têm várias histórias de conflitos resolvidos em uma mesa de negociação, depois de uma boa conversa. A chefe do Núcleo de Conciliação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), Liciane Júnir Baltazar, lembra de uma audiência que chegou a durar sete horas. “Começamos no Tribunal, com uma audiência de três horas, e marcamos uma audiência em continuação em São José dos Pinhais, que durou mais quatro”, conta. Como o processo envolvia várias partes e era necessário ouvir uma senhora idosa, o Judiciário foi até o local. No acordo, havia até regras de boa convivência entre as partes, que eram primos. Outra história que ela não esquece é a de um pai que ficou oito anos sem falar com os filhos. “Me marcou a cena do pai saindo com um filho debaixo de cada braço. Não passava de um mal entendido.”

Nem sempre, porém, a conciliação acontece. Com autorização das partes, a reportagem acompanhou uma audiência nesta semana, no Tribunal de Justiça do Paraná, que terminou sem resultados. Bruna Carvalho dos Santos, advogada de um banco, não apresentou proposta de acordo por considerar que o que havia sido pedido (apresentação de débitos e créditos do cartão de crédito) já havia sido atendido com o envio mensal de faturas. “Os acordos acontecem mais em casos revisionais”, disse a advogada.

A outra parte saiu frustrada. “Encontramos muita resistência para um acordo. Só estamos defendendo o direito à informação e as faturas não são suficientes para isso. Com o demonstrativo que estamos pedindo dá para verificar se há algum crédito ou débito para o meu cliente”, afirmou o advogado da outra parte, Anderson Yuge.

José Ulysses Silveira Lopes, o conciliador que presidiu a audiência, diz que é preciso estar preparado para a falta de acordo. “Somos treinados para nos controlar, não transparecer nada. O conciliador tem de ser neutro. Nós deixamos as partes conversarem.” Mesmo tendo de conviver com audiências que resultam infrutíferas, Lopes, que já foi magistrado e hoje está aposentado e exerce a nova atividade de forma voluntária, diz que prefere o trabalho de conciliador.


Na prática

Veja em que casos a conciliação é aplicada:

Juizados especiais cíveis e criminais

- Faz parte do próprio procedimento. Há também no juizado especial cível, um programa especial para pessoas superendividadas.

Justiça trabalhista

- Faz parte do próprio processo trabalhista.

Justiça comum

- Para direitos disponíveis (aqueles que podem ser dispostos pelo titular do direito, como os direitos patrimonais, por exemplo, e não são de caráter personalíssimo). No Paraná, há um Núcleo de Conciliação no Fórum Cível e um Núcleo do Tribunal, para os processos que estão em segundo grau. O relator do processo ou uma das partes tem de pedir para que o caso seja encaminhado ao núcleo.

Programa Justiça no Bairro

- Faz atendimento volante.


Entendimento

Um meio alternativo para solucionar disputas

A conciliação é um meio alternativo de resolução de conflitos, em que as partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações.

A conciliação é posta no sistema processual civil como uma das duas formas previstas para a resolução dos conflitos que são levados à apreciação do Judiciário. A outra é a forma impositiva, via sentença/acórdão. A forma conciliada é a preferida, ao menos na teoria, porque é mais rápida, mais barata, mais eficaz e pacifica muito mais. E nela o risco de injustiça é menor, já que são as próprias partes que, mediadas e auxiliadas pelo conciliador, encontram a solução para o conflito de interesses. Nesse sistema não há perdedor.

Fonte: Gazeta do Povo

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