segunda-feira, 19 de maio de 2014

A mediação familiar de conflitos como efetivação do direito fundamental de acesso à Justiça no âmbito da Defensoria Pública.

Matéria do site jusnavigandi de 05/2014 - segue link: http://jus.com.br/artigos/28574/a-mediacao-familiar-de-conflitos-como-efetivacao-do-direito-fundamental-de-acesso-a-justica-no-ambito-da-defensoria-publica


Examina a mediação familiar como forma de acesso à Justiça e a atuação da Defensoria Pública como instrumento garantidor. Analisa das vantagens da facilitação de diálogos no âmbito do Direito das Famílias, garantindo uma verdadeira pacificação social.


1 INTRODUÇÃO
A mediação de conflitos não vem para substituir o Poder Judiciário, mas objetiva colaborar para evitar a “judicialização” de conflitos, muitos deles perfeitamente resolúveis no plano consensual, como é o caso de alguns conflitos familiares.
Em diversas ocasiões, uma parte não conhece os seus direitos e a outra parte conhece apenas os seus deveres, mas apenas os cumpre por medo de uma ação judicial. A mediação, portanto, vem para suprir essa lacuna de conhecimentos, transformando conflitos em oportunidade de diálogo significativo entre os conflitantes e colaborando para o seu empoderamento, capaz de gerar crescimento pessoal, amadurecimento e melhoria das relações interpessoais.
Ademais, o exercício do diálogo, através da mediação, é importante meio para que aqueles conflitantes participem ativamente da resolução de seus próprios conflitos, evitando que um terceiro, que nem sequer sabe da realidade da contenda ou suas particularidades, decida mecanicamente através da mera aplicação da lei ao caso concreto, realizando subsunção e potencializando o conflito, ao invés de despolarizá-lo.
Desse modo, a Defensoria Pública, como baluarte do direito fundamental de acesso à justiça, tem o dever precípuo de prestar auxílio  aos conflitantes, sabendo, destarte, que o seu viés social é mais importante do que o judicial, fornecendo, assim, o acesso a verdadeira Justiça, a Justiça social, feita por quem realmente vive a realidade do conflito. Com esta atuação, a Defensoria pode cumprir a sua função social, além de colaborar para mitigar a cultura de litigiosidade e incentivar a cultura da paz e do diálogo.
Finalmente, na esteira do art. 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal, é possível afirmar que o Estado deve garantir a todos que comprovem insuficiência de recursos o direito de assistência jurídica integral. Nada mais justo, portanto, que a assistência jurídica em seu sentido mais amplo possível (não apenas na esfera contenciosa, litigiosa) leve os assistidos a dirimir os seus próprios conflitos de forma justa e empoderadora, mas dentro da legalidade, para isto sendo orientadas por um mediador capaz, revelando-se perfeitamente adequada a presença e atuação do Defensor Público nestas mediações.
2.METODOLOGIA
            Pesquisa bibliográfica documental, com busca em sites especializados que contenham artigos eletrônicos e ensaios. Posteriormente, pretendemos realizar pesquisa de campo, com coleta de dados resultantes dos atendimentos no Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
3.DISCUSSÃO
3.1 O acesso à Justiça e o Poder Judiciário
O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, em seu inciso XXXV, diz-nos que ninguém será privado de ter o seu conflito apreciado pelo Poder Judiciário, o que pode levar à confusão entre acesso à Justiça e acesso ao Poder Judiciário. Confusão de extrema impropriedade. Justiça é algo muito abstrato, que requer anos a fio de meditação e perseguição de ideias e sistemas filosóficos, os quais são de difícil elucidação. Porém, buscando resguardo nas palavras da Professora Lília Sales, temos o seguinte:
Quando se fala em acesso à justiça, é comum o uso da expressão para significar acesso ao Judiciário. Ocorre que a confusão acarreta o empobrecimento do termo por reduzi-lo a uma de suas vertentes. Ter acesso ao Judiciário é ter também acesso à justiça; mas o acesso à justiça é mais abrangente por englobar o acesso a conhecimentos de direito e meios de garanti-los, a instituições que prestem atendimento jurídico de qualidade, a ter os conflitos solucionados de forma célere, entre outros meios que garantam uma justiça social efetiva. (SALES : 2006, pag.3)
É dessa forma, que foi vista a Justiça durante muitos anos. Porém, este conceito ainda é muito pueril, tendo em vista a complexidade da sociedade contemporânea. Não se pode prognosticar com a certeza de um Aristóteles o que entendemos por Justiça. Cada um de nós tem o seu conceito, a sua versão de Justiça. O que podemos tentar é entender justiça como um meio para encontrar um bem comum e um bem social. O escopo maior da Justiça seria o bem e a paz social. Hoje, aplicam-se mais as definições de Hans Kelsen, citado por Paulo Nader:
A partir do modelo do austríaco Hans Kelsen, a justiça será sempre relativa e nunca um conceito absoluto. A justiça absoluta era para Kelsen uma utopia. Para os seguidores dessa linha de pensamento (entre eles Alf Ross, que tinha Kelsen como um dos seus mais admirados mestres) a justiça é algo inteiramente subjetivo e as medidas do justo seriam variáveis de grupo para grupo ou até mesmo de pessoa para pessoa (NADER, 2006, p. 106).
Nessa esteira, as práticas sociais levadas a cabo com a mediação, constituem um instrumento ao exercício da cidadania uma vez que educam, viabilizam e ajudam a conciliar diferenças e colaboram para a criação de soluções sem a intervenção externa de um terceiro que decidirá pelos conflitantes. Entende Lilia Sales que autonomia, democracia e cidadania correspondem à capacidade das pessoas para decidir por si mesmas aquilo que precisam e aquilo que entendem por correto para si e para os outros. Ainda na visão da autora, o Estado organizou o homem em sociedade, porém, de forma paradoxal, representou seu maior obstáculo para o acesso à justiça, uma vez que revelou em sua estrutura uma burocracia superveniente, defasada e excessivamente instrumentalizada. A mediação, portanto, tem a propriedade de ampliar o universo cultural do indivíduo, inserindo-o na sociedade, promovendo a realização da justiça lato sensu e, conseqüentemente, fortalecendo a democracia.
Por fim, as tutelas autocompositivas são um meio eficaz de se buscar a justiça, democracia e cidadania, pois é com aquelas que os conflitantes vivem o conflito e, através de um diálogo pacífico, discutem o problema que diz respeito somente a ambos e, desse modo, resolvem, eles mesmos, a sua contenda sem precisar de um terceiro imparcial e alheio ao conflito para resolver algo que diz respeito às próprias partes.
3.2 A MEDIAÇÃO FAMILIAR E A DEFENSORIA PÚBLICA
Os conflitos familiares são, sabidamente, os problemas mais em voga no contexto das relações humanas, pois o ser humano é um ser falível, um ser cheio de vícios e erros e, necessariamente, estará inserido, em regra, num dos múltiplos arranjos familiares hoje existentes. E, nada mais justo, que esses seres falíveis procurem por si mesmos uma solução adequada para seus conflitos, sem precisar  diretamente da decisão de outro ser humano falível, investido de poderes outorgados por um Estado feito por seres também falíveis.
Nesse contexto, as questões alimentícias, investigações de paternidade, destituição de poder familiar, partilha de bens etc. são perfeitamente dialogáveis e podem ser resolvidas no âmbito das tutelas autocompositivas. É, desse modo, com a utilização das tutelas autocompositivas, que a professora Lília Maia de Morais Sales entende o justo acesso a justiça e a cidadania:
Não se pode conceber a cidadania e o acesso à justiça como algo separado ou inerente apenas ao universo dos textos positivados das legislações. O ideal de acesso amplo à justiça deve transpor os limites livrescos e permear o mundo vivido. Como postulou Habermas, o mundo vivido é aquele em que predomina a ação da comunicação, onde, a partir do discurso prático, irá se questionar a legitimidade e, sobretudo, a adequação de normas postas, ao contexto real da sociedade (SALES, 2004, p. 177)

            O fato é que o Poder Judiciário solidificou no decorrer do tempo algumas barreiras, dificultando o acesso aos seus órgãos pelo cidadão comum, sobretudo das camadas mais pobres da sociedade. Sua estrutura física se apresenta de forma a imprimir imediato receio no litigante. Uma mesa elevada em que se faz presente um juiz, por vezes vestido com sua imponente toga e a parte adversa,  situada logo à frente após outra mesa em nível inferior à do julgador, legitima a cultura do belicismo, estimula a adversariedade e instiga o sentido de disputa de questões que certamente poderiam ser melhor apreciadas e dirimidas.
            Além disso, é a esse lume que a Defensoria Pública, seja ela estadual ou federal, deve investir-se no seu papel constitucional e proporcionar um verdadeiro acesso a justiça, procurando novos caminhos, caminhos esses até transformadores, para que se efetive a verdadeira busca pela Justiça, trazendo à baila os conflitos para que possam ser resolvidos por meio autocompositivo e extrajudicial, buscando e defendendo sempre a bandeira dos direitos humanos e da paz social.
            Por fim, frise-se que assessoria jurídica e assistência judiciária são espécies do gênero assistência jurídica e a Defensoria Pública tem o dever de prestá-la em todas as suas vertentes. Seja prestando assistência judiciária gratuita no Poder judiciário, seja concedendo assessoria jurídica, informando os cidadãos de seus direitos e deveres ou  utilizando-se dos meios judiciais e extrajudiciais de obtê-los, a Defensoria presta um serviço essencial, cumprindo função social de altíssima relevância, tendo o dever preponderante de fazê-lo, como elemento garantidor do acesso a justiça.
4.CONCLUSÃO
Com base no estudo apresentado, conclui-se que a mediação é um mecanismo que possibilita a visão do conflito a partir de um prisma diferenciado. O indivíduo é estimulado a desenvolver habilidades de diálogo e cooperação, relegando o belicismo e a ignorância de outrora em favor de práticas altruístas, que melhor atendem às necessidades e expectativas dos mediados.
Ante um Judiciário permeado por problemas estruturais e burocráticos que dificultam o acesso por parte de pessoas carentes, a mediação desponta como um instrumento de justiça, cuja eficácia pode ser comprovada. A mediação baseia-se no bom senso e no humanismo, contrapondo-se a práticas burocráticas e institucionalizadas que dificultam a efetivação da justiça.        
Por fim, Mauro Cappelletti e Bryant Garth são incisivos ao afirmarem que:
 o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.(CAPPELLETTI. GARTH. 1988. P.12)

                Vislumbra-se, portanto, um novo paradigma de acesso a justiça. Um padrão que se coaduna com o processo de mediação de conflitos como resolução das contendas inter-pessoais, através de um procedimento intrapessoal, extraindo do príncipio fundamental do acesso a justiça o mecanismo para promover a Justiça e a paz social. Recolocando as funções de decidir sobre seus próprios conflitos às pessoas envolvidas nestes. E é, nessa esteira, que a Defensoria Pública atua e deve atuar: como baluarte do direito fundamental de acesso a Justiça, defendendo os interesses sociais e coletivos e colaborando no empoderamento da população mais necessitada de seus serviços.
5.REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Antônio Fabris Editor, 1988.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 26ª. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
__________. Assessoria jurídica gratuita como forma de acesso à justiça e inclusão social. Disponível em: http://www.mediacaobrasil.org.br/artigos_pdf/3.pdf. Acesso em: 15/10/2011.



Nenhum comentário:

Postar um comentário